Quebrar as correntes
“Vamos aproveitar a curta brecha no tempo. Não se trata de história. Certa vez, em minhas férias, escutei uma dona de livraria comentando sobre o espanto que nossos Pretos-Velhos causavam lá fora. Ela perguntava: “como uma entidade que foi barbarizada em vida pode estar hoje dando consulta e ajudando aqueles que a prejudicaram lá atrás? Ninguém entende uma coisa dessas!”
Naturalmente, tentei explicar. Mas sempre correndo, não tive o tempo necessário e talvez os argumentos me faltassem naquela hora.
Lá um dia estava ruminando isso em meus pensamentos, enquanto fazia alguma tarefa. Foi quando meu Preto-Velho se aproximou e me perguntou com doçura o que estava me atormentando.
Ouviu com paciência meus resmungos. “Filha – me disse – porque lá atrás nossas correntes de escravidão foram quebradas”.
“Como assim, meu Pai? Isso todo o mundo sabe!”
Suspirou fundo e continuou.
– “Filha, para abrir qualquer corrente existe uma chave universal, que se usa para abrir cadeado, corrente, porta trancada. Ela se chama perdão. E o perdão começa conosco. Quando paramos de nos cobrar porque não cuidamos o suficiente de nossos filhos, nos torturando diariamente. Porque nos martirizamos em problemas de saúde ou porque somos pobres, quando os outros parecem banhados na felicidade. Porque um nasceu perfeito e nós, não tivemos o mesmo privilégio. Porque não nos damos bem com nossos pais como deveríamos. Perdoe-se e todos os dias, pergunte se fez todo o possível para mudar esse quadro. Esforçou-se mas não deu? Deixe para outra semana, quem sabe para outra vida. Mas comece perdoando hoje, perdoe quem te persegue e calunia, quebrando as correntes do ódio, da raiva, da doença, da tristeza, de tudo que nos amarra nesse mundo. Nós, Pretos-Velhos nos libertamos lá atrás. E vocês, já se libertaram?”
Como costumo fazer nessas horas, baixei a cabeça para refletir.
E comecei a quebrar minhas correntes devagarinho.
Espero que também quebrem as suas.
Bom dia!”
Miriam de Oxalá
Tenda de Umbanda Ogum e Oxalá – www.institutocaminhosoriente.com
Gazeta de Limeira, Ano 91, nº 20.041, 03/09/2021, pág. 04